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30/06/2011

13 de Maio - Riachão

Treze de Maio
É um dia muito bonito
A Congada se reuni
Prá festejá São Benedito

E a Rainha
                      Com a bandeira na mão
                  Reza pra Santa Isabel
               Que deu a libertação

Santa Isabel
É uma Santa milagrosa
Libertou a escravidão
Por ser muito caridosa

À meia-noite
                 A Festa vai terminando
                Eles beijam a bandeira
              Pra volta no outro ano.


Cantigas da Festa de São Benedito - Senhor Luiz

Benedito Santo oi,
Oi, Santo de Alegria
Vamos adorá Benedito, ô,lê,lê.
Hoje é o vosso dia.

  Que Santo é aquele
Que vem no andor
           É São Benedito, ô, lê, lê.
   Com Nosso Senhor.

Que Santa é aquela
Que tá na charola
É São Benedito
Com Nossa Senhora.

Bandeiras

As moças que carregam as bandeiras, em número de sete, são chamadas “Bandeirolas” (bandeireiras), e apresentam-se na seguinte ordem:
Ø  Bandeira do Divino Espírito Santo;
Ø  Bandeira do Anjo da Guarda;
Ø  Bandeira de Nossa Senhora do Rosário;
Ø  Bandeira de São Benedito;
Ø  Bandeira de São Benedito do Menino Jesus;
Ø  Bandeira de São Benedito e Santo Antônio;
Ø  Bandeira de Santo Antônio;
As primeiras bandeiras, a do Divino Espírito Santo e a do Anjo da Guarda, são para protegerem os Congos durante o “REINADO”. A de Nossa Senhora do Rosário, porque foi ela quem inspirou os congos para dançarem, e desde o seu aparecimento é que começaram a surgir os diversos Ternos de Congos; e a de São Benedito porque é ele o protetor dos “pretos e do bloco”.

A Festa de São Benedito em Poços de Caldas


A pesquisadora Tita informou que “a primeira Festa de São Benedito que se tem documentado, data de 1904 e realizada no dia 13 de maio, já com os grupos culturais: Congada, Moçambique e Caiapó. Isto foi publicada na Revista Poços, que circulava na época.” Revista por ela consultada no Museu e já compilada pela Associação de Ternos de Congos e Caiapós. “A renda desta primeira festa”, continua Tita, “foi de 1:000$000 contos de  réis, depois utilizada para construir a capelinha inaugurada em 07 de maio de 1.905, fato este confirmado pelo livro tombo, da Basílica de Nossa Senhora da Saúde.  

São Benedito em Poços de Caldas

Em Poços de Caldas, a história da devoção ao Santo, segundo relatos de devotos e historiadores, inicia-se ao final do séc. XIX com a Festa de São Benedito. Segundo a Tita, em Poços, “tudo o que se sabe sobre o negro foi escrito pela Festa de São Benedito”.
Naquela época, os sesmeiros e seus familiares criavam porcos para servir à Corte e produziam uma agricultura de sobrevivência. Cidade de pequeno comércio e pequena indústria de doce e licores produzia para atender os banhistas ou turistas das águas sulfurosas. Chegaram em 1.886, os italianos para o trabalho nas fazendas, que se iniciavam na produção cafeeira, para o trabalho urbano de construção e também em chácaras.
Após a Abolição mudou-se para Poços os negros da vizinhança, sendo criados vários mocambos, inclusive um perigoso, na Rua Rio Grande do Sul chamado de Botafogo onde, quase semanalmente, havia tiroteio e morte. Poços também tinha muitos negros bons que festejavam São Benedito, como o Vicente Raimundo. Nessa época, final do séc. XIX chegou a Poços o “tio Herculano”, um preto originado de Amparo, que fundou e zelou a primitiva capelinha, como organizou o Culto a São Benedito. “Foi o tio Herculano que fez a primeira oferta e deixou uma chácara para o milagroso Santo e com sua venda (...) se pode iniciar a construção da atual Igreja em terreno doado pelo Coronel Agostinho. (Mourão: 1.952, 275)”.
Se por um lado temos o dado do historiador, por outro temos a narrativa popular da memória de “tia Geni” (Geni Siqueira). Simpática e grande colaboradora comunitária, é também presidente do bloco carnavalesco Sociedade Amigos do Casca (em homenagem ao seu filho Casca, jogador de futebol do Flamengo e que morreu repentinamente durante um jogo no campo de Futebol da Cascatinha), que diz a um grupo de pesquisadores em 1.991: “A congada de São Benedito foi fundada aqui e tinha um senhor, Herculano Mourão. Ele era negrão, então ele doou aquele terreno lá onde é a igreja de São Benedito e depois, já que tinha a igreja, tinha que ter a congada. Aí meu avô que chamava Justino e mais Joaquim Matias, que era primo do meu avô e o que hoje é bisavô das minhas crianças – José Balbino fundou uma congada de São Benedito, Congo de capa (Terno de Congos de São Benedito que representa a epopéia de Mouros e Cristãos, conhecidos como Carlos Magno e os Doze Pares de França). Capas azuis representam os espanhóis que são católicos. Capa vermelha representa os turcos. Então aí tem a Embaixada.
O grupo de pesquisadores registra: “Os nomes históricos da congada são Herculano de Araújo Cintra e Raimundo Mourão, ex-escravo da família de Mário Mourão e que foi casado com a mulata Zequinha, cujo filho casou-se com Lourdes (que mora em Belo Horizonte) irmã de Mercedes, guardiã da Bandeira e atual responsável pela saída do que resta do grupo. Mercedes é mãe de Ayrton Santana, o Mestre Bucha, que tinha um conjunto de samba com mulatas; é mestre de bateria da Escola de Samba SACIPÔ; mestre da banda do Colégio Municipal Dr. José Vargas de Souza”, também representa “Oliveiros”, personagem da congada”.
Todos citados por Geni são verdadeiros e reconhecidos na história da congada, como o Jaguanário, que foi Carlos Magno, irmão de “Moleque César”. É tia Geni quem afirma que “São Benedito surgiu aqui” (na Cascatinha).



Primeiro Registro Histórico (documento arquivado no Museu Histórico e Geográfico de Poços de Caldas).


Jornal “Revista Poços”  
03 de abril de 1904
Os abaixo assinados festeiros do glorioso São Benedito, nesta localidade, têm a honra de avisar a todos os fiéis que a festa se realizará no dia 13 de maio vindouro constando de novenas com leilões de prendas, missa cantada e procissão solene.
Em todas as solenidades tocará a banda de música dirigida pelo professor Israel Breves dos Santos.
Esperam os abaixo assinados que a festa se realize na própria capela de S. Benedito.
Ao mesmo tempo os festeiros apelam para a generosidade deste bom povo, pedindo-lhes um obulu ou uma prenda para os respectivos leilões, a fim de que possa aquele Santo ser condignamente comemorado.
De S. Benedito esse mesmo povo receberá a devida recompensa.
Poços de Caldas, 24 de Março de 1904.
D. Cândida Augusta de Moraes
Virgílio Teixeira da Fonseca



Associação dos Congos e Caiapós de Poços de Caldas

A Associação de Congos e Caiapós de Poços de Caldas foi criada no dia dezesseis de outubro de dois mil e um (2001), numa reunião no Pálace Casino com a presença de representantes dos ternos de Congos de Poços de Caldas. A finalidade da Associação é de fortalecer e apoiar a Festa de São Benedito, nas suas tradições e obrigações de fé em primeiro lugar. O objetivo primeiro é de não deixar acabar a tradição dos congos e caiapós e apoiar todas as suas iniciativas. Nesta reunião estavam presentes os representantes dos seguintes ternos de congos: São Benedito, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora do Carmo, São Gerônimo e Santa Bárbara. Ficou definido o nome da instituição: Associação de Ternos de Congos e Caiapós de São Benedito de Poços de Caldas. A diretoria, por votação, ficou assim decidida: Presidente: Orlanda Conceição Silva; Vice-Presidente: Sebastião Geraldo Domingos; 1º Secretário: Alexandre da Fonseca; 2º Secretário: Zilma Maria da Costa Domingos; 1º Tesoureiro: Benedito Luiz da Costa; 2º Tesoureiro: Joaquim dos Santos Peregrino; Relações Públicas: Ailton Santana; Conselho Fiscal – Titulares: Antônio Carlos Valente, Maria Aparecida do Prado e Manoel de Paula; Conselho Fiscal – Suplente José Pedro Ramos, Luiz Siqueira e Ladir Augusto de Oliveira; Conselho de Cultura – Margarida Maria Abrão Valente, Ailton Santana, Alexandre da Fonseca, Gildásio Novaes Ferreira Júnior, João do Carmo Peregrino Filho e indicados: Maria José de Souza, Roberto de Fátima Teresiano e José Henrique.
O endereço: Rua Sebastião Tomaz Oliveira, 325 – Santa Rosália.
Dona Orlanda, Capitã de Congo e Presidente da Associação, defende o pensamento sobre a importância da “união dos capitães de congos” e que, tudo o que tem em Poços, “tem a mão do negro e da negra” e que “não podemos nos esquecer disto, pois cada igreja de Poços foi construída também com a ajuda das Festas de São Benedito”. Os capitães Ditinho e o falecido Carmo, a bandeireira Dona Mercedes e o chefe dos caiapós, “Seu Pedro”, também falam que “devemos continuar a lutar pelas nossas raízes”.
A Associação é fruto de um trabalho de mais de quatro anos de intenso diálogo, coordenado e incentivado desde o início pelo professor Alexandre e o Mestre Bucha. É um trabalho árduo que vem desde outubro de 2000 até agora e, muitas foram as negociações e que, “se temos reis e rainhas em nossos congados, então temos uma corte”, como já disse Dona Orlanda. Desta forma, quando em março de 2001, pela primeira vez na história, um prefeito (Paulo Tadeu), recebeu em seu gabinete, os reis, rainhas, capitães e capitã de Congos e chefe dos Caiapós, naquele momento houve um acordo de cortes, de reinos, como no passado.
Foi daí que conseguimos uma negociação histórica com a Diocese de Guaxupé, em reunião realizada no altar da Igreja de São Benedito com o grande apoio do Padre Graciano e do Bispo D. José (e do Padre José Ricardo), ao instituirmos, na missa das dez horas da manhã do dia 13 de maio, a MISSA CONGA. Isto é um fato histórico, pois o Padre Graciano, naquela reunião com os capitães, capitã de Congos e chefe de Caiapós, após ouvir a nossa história, como representante do Senhor Bispo que era naquele momento, ressaltou a importância da Igreja reconhecer os Congos e Caiapós como manifestação cultural e religiosa, fato este lavrado no livro de atas da Associação.
São muitas as histórias e fatos acontecidos ao longo do tempo e, a Associação, em 2004, comemora os 100 anos de registros históricos da nossa Festa, embora saibam que ela é muito mais antiga que essa data, porém, com a compilação de dados feitos pela Zilma, a Lílian e o Alexandre, conseguem através de textos, do Dr. Mário Mourão, de Dona Nilza, da Tita e de jornais no Museu Histórico e Geográfico, reconhecer essa data, montando assim, um grande banco de dados que, acreditamos poder estar disponibilizado a toda à comunidade poços caldense e região.

29/06/2011

Conversa com o autor

Verso do livro
Azevedo, Ricardo. Contos de espanto e alumbramento. São Paulo : Scipione , 2010.
Desenho em estilo xilogravura popular, que remetem o leitor para a literatura de cordel

Os estudiosos costumam considerar que o conto popular e o conto de encantamento – também chamado de maravilhoso, ou de fadas, e conhecido no Nordeste por história de trancoso – são a mesma coisa. Em outras palavras, o maravilhoso e o popular, neste caso, se misturariam completamente. Por esse viés, as outras formas narrativas populares seriam, por exemplo, casos, anedotas, lendas ou mitos. Por lendas, é preciso entender narrativas de eventos, mágicos ou não, que teriam acontecido neste mundo, mas há muito tempo. Já mitos são, em princípio, como se sabe, narrativas sagradas, relatando fatos ocorridos num tempo ou mundo anterior ao nosso, que explicam e tornam interpretáveis a vida e o mundo. As narrativas míticas sempre buscam responder a perguntas como “quem fez e como foi feito o mundo”, “por que o homem é mortal, sexuado e precisa trabalhar”, “como surgiram o homem, os costumes, os animais e as plantas” e assim por diante. Mitos pressupõem necessariamente fé.
Longe de mim imaginar que mitos sejam noções arcaicas ou pré-modernas. Para Mircea Eliade, por exemplo, a “higiene” seria um mito moderno. Afinal, a obtenção da higiene absoluta levaria o homem à extinção, derrubado pelo primeiro vírus que aparecesse. A higiene é, portanto, um bem relativo e não, como costuma ser representada, um bem total, ou seja, um mito. O povo sempre soube disso, tanto que cunhou ditados como “o que não mata engorda”, “jacaré com fome até barro come” ou “quem anda na linha o trem esbagaça”. Uma noção abstrata como “liberdade”, por outro lado, pode ser considerada outro mito moderno. Se tratada como valor absoluto, ou seja, se não relativizada, levaria à guerra de todos contra todos. O tema, como se vê, é complexo e imenso.
Em todo caso, muitos pesquisadores acreditam que os contos populares nada mais são do que ruínas de antigos mitos, narrativas que perderam seu caráter de explicação religiosa e sagrada mas continuaram vivas por serem muito bonitas, ou por tratarem de temas humanos relevantes. De contador em contador, teriam virado contos de encantamento.
Se examinarmos esses contos, veremos que tendem a ser construídos a partir de um diálogo entre o “maravilhoso” – feitiços, monstros, encantos, instrumentos mágicos e amigos sobrenaturais – e os fatos da “vida concreta” – paixões entre homens e mulheres, mentiras, heróis em busca do autoconhecimento, inveja, egoísmo, amores, ardis, traições, violências e transgressões de toda ordem.
Em muitos contos, a preponderância fica por conta do “maravilhoso”. Tenho tentado resgatar esse rico material em livros como Meu livro meu folclore, Armazém do folclore, Contos de enganar a morte e No meio da noite escura, tem um pé de maravilha! , entre outros. Refiro-me particularmente a narrativas como “Três namorados da princesa”, “A quase morte de Zé Malandro”, “A história do príncipe Luís”, “O príncipe encantado no reino da escuridão” e “O rei que ficou cego”, por exemplo.
Nesses mesmos livros, porém, há casos de contos em que o “maravilhoso” tende a ser menos relevante ou mesmo a desaparecer. Cito dois casos: “O filho mudo do fazendeiro”, no qual o “encantamento” surge somente nas histórias narradas pela personagem, e “Coco Verde e Melancia”, onde ele simplesmente inexiste.
O livro Contos de espanto e alumbramento traz nove versões de contos populares em que o diálogo entre o “maravilhoso” e a “vida concreta” tende às instâncias desta última.
Neles, o leitor certamente encontrará heróis enfeitiçados, animais mágicos, monstrengos e encantamentos, mas notará que os tema da transgressão, da paixão, da violência, da inveja, do amor, e da sexualidade – assuntos da vida concreta – são preponderantes e estão delineados com grande nitidez.
 Talvez seja esse o diferencial dos contos populares recontados neste livro.
Concluindo, é preciso dizer que, mesmo nos contos tipicamente maravilhosos, o que resiste e persiste por trás de tudo são sempre e sempre os assuntos da vida humana concreta e situada.
Trazer esses temas à baila através da ficção e da poesia é o que de fato nos faz abraçar e amar a literatura, seja ela popular ou não.
Ricardo Azevedo

28/06/2011

Sugestão de leitura: Livro de papel - Ricardo Azevedo


Às vezes as pessoas parecem uma ilha cercada de papel por todos os lados segundo o autor. Tudo isso faz parte do dia-a-dia da maioria das pessoas em casa, na escola, na rua e na vida . É livro, é caderno, recadinho preso na parede, cartas, bilhetes, diplomas, cartões-postais, balões de São João, dinheiro, papel higiênico, cartazes, cadernos, telegramas, passes, contas para pagar, boletins escolares e muito mais.. Foi mais ou menos nisso que o autor pensou para fazer os textos e os desenhos deste livro.

14/06/2011

Sugestão de leitura: Contos de enganar a morte (Ricardo Azevedo)


Um livro interessante é Contos de Enganar a Morte, de Ricardo Azevedo, da editora Ática. As ilustrações do próprio autor são em preto e branco, em traço firme e grosso, lembrando muito xilogravuras de literatura de cordel.

O livro traz quatro saborosas narrativas populares brasileiras de pessoas que não queriam morrer e inventam truques e ardis para escapar da morte. Mas ela sempre vence no final, é claro.
“O homem que enxergava a morte” traz a história de um homem que convida a Morte para madrinha seu filho e em troca ela lhe concede o dom de adivinhar se um doente irá morrer ou viver. Com isso ele se torna um médico rico e famoso, mas é claro que quando chega a hora dele mesmo bater as botas a história é outra.

“O último dia na vida do ferreiro” narra a história de um ferreiro que não se seduz com falsas propostas de riqueza feitas pela Morte. Depois de ajudar uma velha necessitada, tem seus desejos atendidos e assim engana a Morte por duas vezes. Mas como sempre no final seu destino é esticar as canelas, como todo mundo.

 “O moço que não queria morrer” é a história de um jovem que conhece a Morte por acaso e resolve procurar um lugar onde ninguém morria. Ele acaba achando, mas a imortalidade tem uma condição. E um dia a Morte o engana e ele acaba abotoando o paletó de madeira.

 “A quase morte de Zé Malandro” conta a história de um jovem folgado que um dia ganha o dom de ser invencível no baralho, uma figueira que quem sobe nela só desce com seu consentimento, e um banco e um saco de pano que quem se sentar ou entrar nele só sai também com seu consentimento. E com isso engana a Morte e o próprio Diabo. Mas quando chega a hora de entregar a rapadura as coisas não saem do jeito que ele planejou.

Um trecho da última história:
“Certa noite, bateram na sua porta. Era um homem estranho, de cara feia, chapéu e paletó escuro.

- Zé, se prepare – disse o homem. – Sua hora chegou.

- Quem é você? – quis saber Zé Malandro.

- Sou o Diabo – respondeu o outro, tirando o chapéu e mostrando dois tristes chifres. – A Morte não quis vir de jeito nenhum, mas me mandou no lugar dela para buscar você.

- Mas como! – disse o Zé espantado. – Já? Deve haver algum engano!

O Diabo caiu na gargalhada.

- Não venha com essa conversa mole. Já estou avisado sobre você. Vamos embora agorinha mesmo. Ou vai me pedir pra subir na figueira? Nessa eu não caio!

Zé Malandro baixou a cabeça.

- Posso fazer um último pedido? – perguntou ele com lágrimas nos olhos. – É muito importante. É o último deseja de um pobre velho miserável raquítico esclerosado caindo aos pedaços. Queria tomar um traguinho de cachaça antes de abotoar o paletó. Você me acompanha?

O Diabo lambeu os beiços.

- Até que não é má idéia!

- Sente-se aí enquanto eu pego os copos e a pinga – disse Zé Malandro, puxando o banquinho.

Dito e feito. O Diabo sentou-se lá e não saiu mais.

- Me tira daqui! – gritou ele, assustado.

Zé Malandro deu risada, despediu-se e foi jogar baralho.

Com o Diabo preso no banquinho, acabaram-se os crimes na cidade. As cadeias ficaram vazias e os guardas, delegados, advogados e juízes preocupados em perder seus empregos. Além disso, como as pessoas agora só falavam a verdade, começou a haver muita confusão porque as verdades são muitas. Mas o pior não foi isso. Acontece que o Diabo passava o dia inteiro sentado no banquinho gritando, guinchando e falando os piores palavrões.”

13/06/2011

Sugestão de leitura: Contos de espanto e alumbramento (Ricardo Azevedo)

O livro apresenta nove versões de contos populares em que o diálogo entre o 'maravilhoso' e a 'vida concreta' tende às instâncias desta última. Neles, o leitor certamente encontrará heróis enfeitiçados, animais mágicos, monstrengos e encantamentos, mas notará que os temas da transgressão, da paixão, da violência, da inveja, do amor e da sexualidade - assuntos da vida concreta - são preponderantes e estão delineados com grande nitidez. Talvez seja esse o diferencial dos contos populares recontados nesta obra.

07/06/2011

Você já leu Ricardo Azevedo?


Nós gostamos de contar histórias. E, consequentemente, gostamos de aprender novas histórias. Assim, lógico que temos influência de 'contadores' clássicos, como Andersen, ou Charles Perrault, ou os irmãos Grimm. Ou Câmara Cascudo, pra falar de um brasileiro importante. Contadores que contam através da escrita (pelo menos, é como eles nos chegam) histórias de própria autoria, ou – como historiadores do mundo imaginário – reproduções de pérolas encontradas no caminho, ou ainda uma mistura, adaptando histórias descobertas e trazendo um pouco de si pra elas. Vira e mexe recorremos a uma história de algum desses tão conhecidos desbravadores da fantasia.

No entanto, hoje quero falar de um cara em especial, que tem uma influência muito grande em nosso singelo grupo de contadores. Um cara com um sotaque muito brasileiro, que não só descobre histórias por aí – histórias que vêm sendo passadas oralmente – mas que acrescenta a elas um pedaço do seu coração. Seu nome é Ricardo Azevedo. Quem já leu um de seus livros sabe como seu texto é saboroso e dinâmico, e como ele é capaz de revelar um universo imaginário muito brasileiro, mesmo quando fala de reis, rainhas, príncipes e princesas. Seus livros, que são voltados a um público infanto-juvenil, trazem sempre mais de uma história e muitas vezes quadras, trava-línguas, adivinhas, brincadeiras, pontes que ajudam a chegar onde as histórias estão. E as histórias são deliciosas, de uma natureza muito conhecida, próxima, da nossa terra. Mas, mais que as histórias em si ou as brincadeiras dos livros, o que acredito ser seu bem mais precioso é o seu estilo.

A linguagem é uma coisa poderosa, e muitas vezes fala muito pela sua forma, não apenas pelo conteúdo. Lendo Ricardo Azevedo isso fica muito claro. É quase automático ser transportado para o interior do Brasil, ou para alguma parte do sertão nordestino e isso acontece, muitas vezes, apenas ao ler uma frase. Às vezes por uma única palavra. Particularmente para um contador de histórias isso é muito precioso. Seus textos são, ao mesmo tempo, concisos e abrangentes, fornecendo ferramentas para se trabalhar com vazios que dizem muito, possibilitando a abertura de caminhos e conexões com palavras certeiras e, acima de tudo, trazendo poesia. E é essa poesia que tem o poder definitivo de transportar quem ouve de uma forma tão natural e despretensiosa, para o mundo do fantástico. Talvez mais até do que a música (quem já contou histórias sabe o poder de uma boa música). Essa experiência eu trago da (não tão extensa, é verdade) prática de contador, de ver o que funciona e o que não funciona. E é quase mágico!
Claro que nada é mais importante que uma boa história. E, eu garanto, suas histórias são deliciosas. É verdade que assim são também as histórias dos seus já mencionados e aclamados antecessores. Mas no estilo e na forma poucos me fazem sentir como me sinto quando leio Ricardo Azevedo. Como se estivesse na presença de um verdadeiro contador de histórias.


http://contantescontentes.blogspot.com/2011/03/voce-ja-leu-ricardo-azevedo.html

03/06/2011

Caiapós visitam CAIC






No último dia 27 de maio a escola CAIC recebeu a visita dos Caiapós. A visita aconteceu em razão da participação da escola dentro do Projeto Cultura Popular desenvolvido pelas Bibliotecas Públicas Municipais.Na oportunidade,os alunos do 6° ano de aceleração,encenaram o "Roubo da Bugrinha", que foi assistido por todos os alunos da escola CAIC.
Aproveitamos o ensejo para agradecer a presença do Grupo de Caiapós, especialmente o Sr. Pedro.


02/06/2011

"O vaqueiro que não sabia mentir"

Era uma vez um fazendeiro muito rico. O fazendeiro tinha dois orgulhos. Primeiro, seu boi Barroso, o maior, o mais forte, o mais bonito, o animal mais valioso de toda a região. Segundo, um vaqueiro que trabalhava na fazenda. O moço era de confiança. O moço não sabia mentir. O fazendeiro costumava dizer:
- Por esse eu ponho a mão no fogo! Esse só mente pra mim no dia de São Nunca!
O povo caçoava:
- Todo mundo mente! Vai esperando. Um dia esse vaqueiro ainda lhe passa a perna!
Mas o fazendeiro discordava:
- Não tem como! Confio nele demais. Tanto é verdade que deixo meu boi de estimação na mão dele. Só aquele moço pra cuidar do boi Barroso, o meu bichinho adorado, aquela jóia cheia de carne, que muge, tem dois chifres e quatro patas.
Um dia, o fazendeiro vizinho, um sujeito malvado e invejoso, resolveu acabar com aquela história. Foi visitar o outro e veio com essa:
- Quer valer quanto? Aposto um saco cheio de dinheiro como faço aquele moço safado contar uma mentira da grossa.
O fazendeiro não pensou duas vezes:
- Tá apostado! – disse, estendendo a mão para selar o compromisso.
Mas o tal vizinho tinha uma idéia na cabeça. Voltou para sua fazenda e já foi chamando a filha. A moça era uma flor de tão linda.
- Você vai me ajudar a fazer aquele danado mentir.
E contou qual era o plano. A moça ficou assustada:
- Pai! Isso eu não faço não!
O fazendeiro não era de brincadeiras. Mandou a filha fazer e pronto. A moça gritou:
- Não vou!
O fazendeiro insistiu. E a moça:
- Não quero!
Mas aquele fazendeiro era mau. Tanto falou, tanto fez, tanto bateu, tanto maltratou que a filha, no fim, não teve jeito.
E assim foi.
Um dia, o vaqueiro que não sabia mentir estava longe, no pasto, tomando conta do boi Barroso, quando a moça apareceu.
Veio toda cheirosa, usando um vestido de flores do campo.
O vaqueiro achou a moça muito bonita.
- Vaqueiro, preciso falar com você!
E a moça, fazendo o que o pai tinha mandado, disse que gostava do moço.
O vaqueiro estranhou.
- A gente nem se conhece!
A moça chegou perto. Naquele dia, os dois só conversaram.
Passou o tempo.
A moça apareceu de novo. Veio toda cheirosa, usando um vestido de conchas do mar.
O vaqueiro achou a moça muito linda.
- Vaqueiro, preciso falar com você!
E a moça, fazendo o que o pai tinha mandado, disse que não conseguia tirar o moço da cabeça.
O vaqueiro ficou sem jeito, mas gostou.
A moça chegou mais perto. Naquele dia, os dois se abraçaram.
Passou o tempo.
A moça apareceu de novo. Veio toda cheirosa, usando um vestido de estrelas do céu.
O vaqueiro achou a moça mais linha do que tudo.
- Vaqueiro, preciso falar com você!
E a moça, fazendo o que o pai tinha mandado, disse que queria namorar o moço.
O vaqueiro já estava apaixonado pela moça.
Naquele dia, os dois namoraram o dia inteiro.
Na despedida, fazendo o que o pai tinha mandado, a moça pediu:
- Agora quero uma prova de amor!
Os olhos do vaqueiro brilharam.
- Por você moça, eu faço tudo!
A filha do fazendeiro segurou o moço pelos ombros:
- Então mate o boi Barroso!
O rapaz estremeceu.
- Mas o Barroso vale ouro! – disse ele. – É o maior, o mais forte, o mais bonito, o mais valioso animal de toda a região. Peça outra coisa, moça bonita! Peça tudo, menos isso!
Mas a moça só queria saber do boi.
- O boi Barroso é o xodó do meu patrão!- gritou o vaqueiro.
A moça por dentro chorava. Mas por fora ficou firme:
- É por isso mesmo! – disse ela. – Essa vai ser a prova de seu amor!
O moço examinou a moça e balançou a cabeça. Depois, puxou a peixeira da cinta e matou o boi Barroso ali mesmo.
A moça foi embora. Chegou em casa chorando. Contou tudo para o pai.
O malvado caiu na gargalhada. No outro dia, foi visitar a fazenda do vizinho, já chegou caçoando:
- Cadê meu saco de dinheiro?
O outro não entendeu:
- Como é que é isso?
E o recém-chegado:
- Vim cobrar minha aposta, ué!
O fazendeiro estranhou.
- Cobrar a troco de quê?
E o malvado:
- Pois chame o tal vaqueiro de sua confiança.
O fazendeiro mandou chamar. O moço veio de cabeça baixa e chapéu na mão.
O fazendeiro malvado só ria:
- Diga a ele, vaqueiro. Conte que fim levou o famoso boi Barroso.
O fazendeiro malvado achava que o vaqueiro que não sabia mentir dessa vez ia mentir, mas o vaqueiro, puxando uma viola, cantou:


EU ESTAVA NO MEU CANTO
UMA FLOR SAIU NO CHÃO
CRESCEU E FEZ UM PEDIDO
QUE RASGOU MEU CORAÇÃO


PEDIU QUE EU MATASSE O BOI
AQUELE BOI FABULOSO
AQUELE BICHO JEITOSO
O FAMOSO BOI BARROSO

EU DISSE QUE NÃO PODIA
ELA DISSE QUE QUERIA
EU DISSE EU NÃO DEVIA
ELA FEZ QUE NÃO ME OUVIA

E DISSE MAIS, MEU SENHOR.
VEIO PRA PERTO E FALOU
QUERIA SENTIR FIRMEZA
CERTEZA DO MEU AMOR

EU AMAVA DE VERDADE,
SENTIA AMOR PRA VALER
MAS SE O AMOR É INVISIVEL
O QUE É QUE EU POSSO FAZER?

PRA PROVAR QUE ELE EXISTIA
MOSTRAR QUE TAMANHO TINHA
COMETI UMA MALDADE
FOI CRIME, FOI CULPA MINHA

EU MATEI O BOI BARROSO
AQUELE BOI AMOROSO
AQUELE BICHO MANHOSO
AQUELE BOI PRECIOSO

FIZ LOUCURA AQUELA HORA
POR ESTAR APAIXONADO
SE ERREI, EU PAGO AGORA
MEREÇO SER CASTIGADO!


 O dono do boi ficou louco da vida:
- Mataram meu boi Barroso!
O vizinho ficou de queixo caído:
- O danado não mentiu!
Foi quando surgiu a moça. Veio toda cheirosa, usando um vestido branco. Pediu a palavra. Disse que estava arrependida, Chorou. Contou a verdade. Gritou. Disse que tinha feito tudo obrigada pelo pai.
Ao ouvir isso, o vaqueiro que não sabia mentir ficou tristonho.
Mas a moça continuou.
Confessou que tanto veio, tanto foi, que acabou gostando do vaqueiro. Disse que agora estava apaixonada e queria casar com ele.
E assim acabou essa história.
O fazendeiro malvado pagou a aposta e foi expulso da fazenda, prometendo deixar sua filha casar com o vaqueiro.
O dono do boi Barroso acabou perdoando o rapaz, reconheceu seu valou e ainda deu a ele, de presente de casamento, o saco de dinheiro ganho na aposta.
O vaqueiro que não sabia mentir e a moça bonita se casaram logo depois numa festança que durou muitos dias e muitas noites.



AZEVEDO, Ricardo. Bazar do Folclore. São Paulo: Editora Ática, 2001.

01/06/2011

Ricardo Azevedo declama ''Bola de Gude'' e "Aula de Leitura"

Neste vídeo, o escritor Ricardo Azevedo declama os poemas "Bola de Gude" e "Aula de Leitura", do livro "19 poemas desengonçados" (Editora Ática). O objetivo é mostrar como educadores podem utilizar a leitura de poesias como recurso para ampliar o repertório e desenvolver a oralidade das crianças desde a pré-escola.


http://revistaescola.abril.com.br/educacao-infantil/4-a-6-anos/ricardo-azevedo-declama-bola-gude-568081.shtml